PATAGÔNIA COM A FAMÍLIA...
(ou como fazer novos pescadores de mosca dentro da própria casa...)

Texto: Ricardo “Tita” Kroef
E-mail do autor: kroef@terra.com.br
Fotos:
Ricardo Kroef, Bebety Albrecht e Alexandro Klap


Bebety, Tita, Guilherme e Felipe
 
 

       Quem de nós, pescadores, nunca se deparou com o problema de como anunciar à cara esposa (e filhos) que vamos mais uma vez sair para aquela sonhada pescaria, abusar do orçamento e nos ausentarmos do convívio familiar, postergando aquela viagem prometida à todos???
 
       Situação difícil; se viajamos para férias convencionais e gastamos muito, ficamos pensando...Putz, toda esta grana e eu gostaria era de estar pescando.... Se vamos ao sonhado Alaska, nos condenamos... Eu tinha prometido um novo carro para a família....
 
       Bem, creio que todos nós já passamos e passaremos por esta situação. Muitas vezes nos perguntamos porque não tivemos a sorte de ter uma esposa enlouquecida por pesca, e filhos perfeitos que prefeririam, sempre, ir à Patagônia ou Amazônia em vez de sonhar em abraçar ratos e patos da caríssima e sempre lotada Disney...
 
       Bom, acho que muito depende de nós, da maneira que passamos a eles a paixão pela pesca, pelo contato com a natureza, pelo companheirismo e pela aventura.
 
       Para que possamos transformar uma viagem de pesca num convite sedutor à família, necessitamos de táticas, pacotes atrativos com várias opções de atividades, organização,etc...
 
       Todos, na natureza de seres humanos, carregamos (como diz o velho amigo e grande pescador de mosca Thor Onsten) no nosso genoma um passado milenar de pescadores e caçadores, que nos fizeram sobreviver como espécie, então, a pesca é algo que faz parte de nossas vidas, podendo estar esquecido ou latente no nosso interior, mas, ESTÁ LÁ, não há dúvida. Cabe a nós resgatar estes genes em nossas esposas e filhos, logo, MÃOS A OBRA!!!!
 
       A primeira parte é o planejamento na escolha do local: Clima agradável, conforto, opções variadas, lugar abundante em peixes e, claro, a beleza do local.
 
       Escolhi a Patagônia, devido ao fato de poder concentrar todos estes fatores numa mesma região, num mesmo destino.
 
       Meu grupo seria constituído por mim, minha noiva e meu filho de treze anos de idade. A primeira decisão acertada foi convidar um sobrinho para fazer companhia ao meu filho; crianças e adolescentes necessitam companhia de sua idade, para disfrutar as coisas de seu modo particular, condizente com as expectativas da idade. Crianças são, necessariamente, mais dispersivos, cansam mais facilmente de estar numa mesma atividade por horas a fio, e, quando cansam, nada melhor do que ter outra criança por perto. Tudo pode virar uma brincadeira deliciosa se tiverem com quem compartilhar, alguém da mesma faixa etária e maturidade.
 
       Meu sobrinho é um pescador nato, daqueles adolescentes que ainda preferem qualquer pescaria à festas, coisa rara na idade. Pesca com mosca há 2 anos, tem um cast natural, de uma beleza plástica incrível, tendo sido muito elogiado pelos guias que nos acompanharam.

 
Parque Nacional do Lanin, com o vulcão ao fundo  

       Como tínhamos 10 dias para viajar, decidi por 7 dias na patagônia e 3 em Buenos Aires. Na patagônia, escolhi a região do Parque Nacional do Lanin, pela infraestrutura, beleza dos rios, serviços de guia, etc... A base escolhida foi San Martim de Los Andes, cidadezinha linda, turística e com excelente estrutura de pousadas e restaurantes. Assim, poderíamos pescar durante o dia e disfrutar da cidade à noite.

 

       Quando se pensa em pescar nos rios patagônicos (ou em qualquer lugar), com mulher e crianças, a segurança é a primeira preocupação. Sempre contrate guias experientes, com profundo conhecimento dos rios e dos seus perigos. Pescar com mosca envolvendo wading (caminhar dentro do rio) e flotadas (descidas de rios em balsas pneumáticas) envolvem riscos, e a segurança é fundamental.
 
       Alexandro Klap e sua equipe, que conheço há vários anos, guiam freqüentemente famílias, assim pude pescar tranqüilo, sabendo que a segurança seria prioridade sempre.

  Jorge, Guilherme, Alexandro e Felipe
 

       Ao chegarmos a San Martim, nos dirigimos à pousada onde Alexandro fez uma preleção a todos, sobre as normas e procedimentos básicos de como se comportar nos rios e nas flotadas. Fazendo-o de forma solene, como combinamos anteriormente, os guris levaram a coisa bastante a sério e nunca descuidaram da segurança na água.
 
       O item equipamento é muito importante. Providencie bom equipamento para todos, faça com que todos se sintam importantes, cada um com um bom wader, botas, coletes, varas, reels e linhas de boa qualidade, para que consigam castear suas próprias moscas de maneira eficaz. A pessoa que entra num rio passando frio, escorregando a toda hora nas pedras, com equipamento ruim e desbalanceado, sem conseguir um cast pelo menos decente se desestimula, fica emburrado e PRONTO, LÁ SE VAI A PESCARIA...
 
       Tire muitas fotos, faça um carnaval nas primeiras trutas, mostre a beleza do peixe, suas cores e saliente a competência que necessitamos para pegá-las.
 
       Na primeira tarde de pesca, após chegarmos, fomos ao rio Meliquina (que rio, água esmeralda e muitas trutas!!!). Bebety pescou 11 trutas, não parava de rir, Felipe pescou 4 e Guilherme 7. Para eles, no início, o número é importante, porque associam pesca a pegar peixes.... Depois, logo aprendem que existem coisas muito mais importantes em pescar trutas...
 
       Alexandro e Jorge (uma figuraça, grande garoto) os fizeram pescar com ninfas e emergers, muito pequenas, sabiamente evitando que pescassem com enfadonhos streamers... Nada melhor do que começar com princes e timberlines, ou “no estilo” como diz o caro Gregório...
 
       Ao deixar o rio, rumo à San Martim, os guris se deliciaram contando as capturas, a força das trutas, sua valentia independentemente do tamanho,etc... Escute tudo com atenção, faça perguntas em relação às moscas, como pescaram cada mosca, etc...
 
       Pescadores de mosca principiantes se sentem muito motivados com elogios, já que a pesca com mosca é injustamente “mitificada”, e se elogiarmos seu desempenho, eles se motivarão cada vez mais.

 

       No segundo dia partimos, bem cedo, para uma flotada no espetacular Chimehuim. A vantagem de se flotar este rio é que, por ser hoje praticamente todo privado (os acessos), a única maneira de pescar as partes mais produtivas é entrando nos tramos privados pela água, flotando (ou teremos que pagar 600 dólares por dia para se instalar nas pousadas dos proprietários de terra)...
 
       Na flotada, Alexandro optou por irmos à frente dos guris, já que eles poderiam espantar as trutas na gritaria e nos casts com apresentação menos delicada do Felipe...

  Flotada no Chimehuin
 
Bebety e suas  muitas arco-íris  

       Confesso que no início da flotada eu não conseguia tirar os olhos da balsa dos guris, principalmente quando se passa por algumas corredeiras do Chimehuin. Logo vi que o Jorge manejava os remos com destreza, comandando o posicionamento correto dos guris na balsa e me tranqüilizei, iniciando minha pesca sem preocupação.
 
       Notei que o tamanho médio das trutas deste rio é melhor a cada ano. Praticamente não pescamos trutas menores de que 700 a 900 gramas, com muitas capturas superando 1 a 1,5 kg. Pela manhã pescamos com atractors de superfície, com tarântulas, Chernobyl, Royal Wulf , etc... As sempre eficazes Timberlines faziam seu trabalho nos hatches, simulando emergers.
 
       Na tarde, passei a usar linhas sinking com streamers, procurando marrons de porte avantajado.

 

       O melhor da flotada é o seu dinamismo, assim, no momento que Bebety e Felipe cansavam de pescar, iam desfrutando a paisagem e os animais. Vimos um enorme cervo colorado atravessando o rio, além de inúmeras famílias de patos e marrecos patagônicos de diferentes espécies com crias. A presenças destas criaturas diverte a qualquer pessoa, tornando a flotada um programa sempre interessantíssimo até para os que não pescam ou se cansam de arremessar no trajeto de descida do rio.
 
       No período final da flotada, pedi ao Alexandro que me desse os remos depois de entrarmos no Collon Cura, onde é mais fácil remar. Nesta meia hora emprestei minha vara montada com uma linha rio 240 com densidade compensada. Pois ele engatou uma marron linda, com quase 3 Kg numa zonker preta. Vários minutos de briga, com a marron passando como se fosse um submarino abaixo da balsa até que o Alexandro a soltasse depois de festa de todos.

  Fish on!! Rio Chimehuin
 

       Ao final do dia, a flotada tinha sido um sucesso, com os novos mosqueiros já apaixonados pela patagônia, suas trutas, seus bichos e sua beleza ímpar.
 
       À noite jantamos no “La Chacha”, um restaurante com uma comida maravilhosa (provem o Sorrentino recheado com carne de cervo e com molho de fungos regionais). Comer bem sempre é bom programa, o sucesso de um grande dia de pesca deve ser comemorado com a família. Chegando na pousada, depois de 2 garrafitas de um belo malbec, inventei de repassar as fotos na digital e deletar as que não ficaram boas. JAMAIS delete fotos com vinho na cabeça... Deletei toda a flotada e, se não fosse a Bebety ter tirado algumas com a máquina dela..., eu seria morto pelos novos pescadores.
 
       Passamos o reveillon em San Martim, e na manhã seguinte saímos em direção ao rio Quillen, passando pelo Malleo, onde passaríamos todo dia pescando. Fazia um calor anormal neste dia (algo em torno dos 28 graus) e decidimos partir em direção ao Quillen já ao meio dia, para aproveitar os hatches do fim de tarde no tramo do Quillen que fica perto da pousada, em Rahue.

 
Calma com ela, filho!!!  

       No Malleo a pesca estava muito técnica, era preciso ler bem o rio e o comportamento das trutas (um desafio que me encanta) e aí a pesca fica mais difícil para os principiantes, então, optei por pedir ao Alexandro que partíssemos logo. Decisão acertada, pois a pesca no Quillen, com menos calor, foi muito mais fácil e produtiva para os guris e a Bebety.

 

       Há que se tomar alguns cuidados no Quillén, no que se refere ao wading dentro do rio; o Quillen é composto de pedras grandes, arredondadas e lisas e normalmente não é um rio fácil de wadear. Somado ao fato de que nos meses de novembro e dezembro a correnteza é maior devido ao degelo, deve-se tomar muito cuidado dentro do rio, sendo que o ideal é a presença de um guia para cada criança. Não foram poucas vezes que os guris flutuavam dentro d’água, e teriam caído se não fosse a presença do guia.

 

       Como Bebety não pescou um dia, preferindo fazer uma cavalgada na grande fazenda em Rahue, ficamos com um guia para cada guri e eu pesquei sozinho. Sempre é bom ter um programa alternativo para as mulheres, e como não há “shoppings” na região, uma cavalgada ou rafting pode ser a garantia do dia se a companheira não quiser pescar.

 
 
As belas águas do Quillén  

       A pesca no Quillen sempre é fantástica, por seu incomparável número de trutas e pela possibilidade de pescar de todas maneiras, destacando o fato de ser o filé da patagônia em termos de pesca com moscas secas. Pescamos todo dia muito bem, e, no final de tudo, fui até ao encontro do Quillén com o grande Alumine, carregando a velha RPLX 6 com linha sinking para uns tiros tentando uma grande marron...

 

       Logo no segundo arremesso, na corredeira em que termina o grande pool da pousada, bem na boca do Quillen, senti o tranco e as cabeçadas de uma truta que me parecia bem grande. Não brigou tudo que eu esperava e logo mostrou o dorso! Uma marron muito grande, ao redor de 3,5 kg, linda veio para os pés. Confesso que tremi, era, sem dúvida, a maior que pesquei na patagônia nestes anos todos.
 
       Deixei-a na água rasa, posicionei a vara no chão para medi-la e fotografá-la e..., ela cuspiu o streamer do Scotty (sem farpa, é claro) e se mandou sem que eu pudesse registrar a captura... Ouviram-se todos os impropérios de que eu me lembrava, mas logo a sensação de prazer venceu a fúria, sentei no rio e fumei um bom Cohiba pra comemorar sozinho, em meio ao silêncio da estepe patagônica e ao murmúrio da corredeira. Me serviu de lição, não podemos nos privar da sensação de pegar um peixe daqueles porque temos que registrar tudo em filmes ou cartonetes digitais, a marron do Alumine estará para sempre na memória...

 

       No dia seguinte voltamos ao local, desta vez com o Jorge e casteamos várias vezes, sem resposta da trutona. Sem dúvida pode estar lá, seu colorido quase amarelo ouro na barriga mostra que é uma residente, além de ainda não ser época das grandes marrons saírem de Alicura e subirem os rios para desovar...

  Guilherme, el Cormorán (biguá)
 
A bela arco-íris na varinha 2  

       No dia seguinte mais uma vez pescamos o Quillén, saí com a Talon 2 que comprei há tanto tempo do Gregório e fui mais para ver os guris e Bebety pescar. No meio da manhã vi uma boa arco-íris comendo abaixo de um salso, reparei que tomava emergers, pelo posicionamento da barbatana dorsal quando subia, fazendo aquela onda característica de truta comendo emergers. Havia muitas caddis no ar e troquei a Timberline por uma pupa de Caddis. O cast foi bom, upstream, um mend para corrigir e a truta tomou a pupa.

 

       Um segundo para a fisgada leve (vara 2, tippet 5X) e uma impressionante série de saltos e corridas. A arco-íris me surpreendia pelo tamanho e eu me maldizia por estar com a varinha 2, teria que cansá-la bem, ou até demais , para por as mãos nela... Quase 10 minutos depois ela cansou, consegui a bela foto que ilustra esta matéria, e senti um condenável prazer de vingança da marron perdida um dia antes...

 

       Voltando para a pousada, os 3 novos pescadores vinham em silêncio, e eu me via como na primeira vez que deixei o Quillén, há quase 10 anos atrás... Aquele sentimento de deixar o paraíso, aquela tristeza de ter que partir, porém com a indisfarçável gratidão àqueles rios mágicos, suas trutas e ruídos, à estepe e seus bichos, à gente simples patagônica, ao silêncio daquela imensidão, que nos faz refletir sobre o que é valioso nesta vida...
 
       Três dias a mais em Buenos Aires, parte do planejamento inicial de agradar a todos... E aí tive a minha maior recompensa, quando Bebety vagava no belo Pátio Bullrich, se virou e me disse: Estou deslocada, da próxima vez, ficamos mais na patagônia e só dormimos em B. Aires para voltar, OK?
 
       Os dois guris passaram os três dias na grande cidade me perguntando quando virão novamente ao longínquo sul, e me dizendo que preferiam voltar a pescar do que ficar em B. Aires...

  Los Álamos
 

       Sensação absoluta de felicidade e vitória; tenho certeza que terei parceria para o resto da vida, sei que algum deles, ou os 3 , algum dia se preocuparão com o velhinho Tita, que poderá cair no rio Quillén ou da balsa na flotada... O tempo é algo de que não se escapa, rezo para ter eles como bengala num rio da sagrada Patagônia...

 

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