Terra do Fogo, Terra de Gigantes
 

Texto: Ricardo “Tita” Kroef
Fotos: Tita e Alejandro Infante


 

       A idéia de ir a Tierra del Fuego em busca das Sea Run Brown, ou trutas marrons que migram ao mar, ia e vinha em minha cabeça. Sempre interessava a idéia de testar as habilidades na pesca de trutas que chegam aos 15, 20 kg, fortes e velozes como peixes de mar, verdadeiros torpedos, porém as dificuldades relatadas em relação ao vento do fim do mundo, além do preço dos pacotes, muitas vezes me desanimavam.

 
 

       Em janeiro deste ano, recebi um convite dos representantes da Orvis em Mendoza, na Argentina, que consistia em uma semana de pesca na famosa estância La Aurélia, uma fazenda de 16000 hectares próxima à Rio Grande, no coração da Terra do Fogo. A estância possui 10 km de tramo exclusivo do Rio Grande, além de 30 Km do seu principal afluente, o tortuoso Rio Menendez. O pacote era subsidiado e muito atraente, já que iríamos filmar 2 programas para uma produtora de fly fishing, a Águas Claras, que é responsável pelos filmes da Orvis Mendoza.
 
       Pablo Perez, pescador e proprietário da Orvis em Mendoza confirmou o convite e me uni a um grupo de pescadores argentinos e chilenos.

 

       Parti de Porto Alegre dia 21 de fevereiro e, após a tradicional noite Porteña, cheguei a Ushuaia no dia 22, depois de quase 4 horas de vôo desde a capital federal (são quase 4 mil km rumo ao fim do mundo...).
 
       Ushuaia é a cidade mais austral do planeta, dali a Antártida é “um pulinho”; trata-se de uma cidade que cresceu muito nas últimas 2 décadas, chegando aos 60 mil habitantes. Linda região, cercada de picos nevados e abaixo de um glacial que nutre a cidade de água doce, tudo isto a beira do mar (Canal de Beagle, que separa a Argentina do Chile).
 
       Desde o aeroporto de Ushuaia até a estância são 280 km, sendo que 80 de estrada de terra, em boas condições.
 
       A logística seria mais fácil se houvesse mais vôos até Rio Grande, que fica a 80 Km da estância, mas os vôos são poucos e sempre lotados, bloqueados pelas petrolíferas.
 
       Ao chegar na estância a visão é deslumbrante: o Lodge é de primeiro mundo, com instalações confortabilíssimas. A recepção é impecável, com os funcionários perfilados, se apresentando como o maitre, o segundo cozinheiro, as copeiras, o pessoal de limpeza, e claro, os guias de pesca.
 
       Peter Mullins, o gerente do Lodge é muito prestativo e, como sugere o sobrenome, educado como um verdadeiro lorde inglês, embora seja um (mais um) simpático argentino natural da Patagônia.

 

       Após uma breve explanação da estrutura do Lodge, me serviram uma janta inesquecível, regada com excelente vinho Malbec que faz parte da adega do Lodge.
 
       As comidas são um caso a parte. Posso dizer que poucos restaurantes internacionais no Brasil tem a sofisticação e o primor no preparo dos pratos, finamente apresentados. A tradicional “picada” de fiambres, patês, beringelas e pães servida antes das refeições principais é de fazer chorar quem está de dieta.
 
       Os vinhos, em quantidade ilimitada, são excelentes, destacando os Malbecs de várias bodegas e os Cabernet Sauvignon muito bons.
 
       Regra importante: na Argentina, prefira os Malbecs, enquanto que no Chile, vá nos Cabernet Sauvignon.

 
 
 
A Pesca

       No dia seguinte acordamos ás 7 horas, ”desayuno”, e rumamos para o Rio Grande, num trajeto de 20 a 30 minutos dentro da estância. Outro ponto alto do Lodge: são 3 Toyotas Hilux novíssimas, 4X4, uma para cada guia e dois pescadores.
 
       Meu companheiro de pesca seria o pescador chileno Alejandro Infante, grande flyzeiro e ser humano irrepreensível, um verdadeiro cavalheiro com o qual dividi grandes alegrias nesta semana de pesca.
 
       Ventava uma barbaridade e o guia Diego (excelente) nos acalmou dizendo: “Calma cavalheiros, isto está demais até para a Tierra del Fuego. Vai acalmar, espero que ainda hoje.”
 
       O vento era tanto que armei uma vara 12, sim, não é exagero, comprei esta vara com o intuito de pescar Tarpons e resolvi usá-la naquele vendaval.

 
 

       O Rio é diferente dos maravilhosos rios da Patagônia norte, não tem aquela transparência e a cor esmeralda ou azulada, pode-se dizer que é um rio com a cor da água semelhante a cor da região de Ausentes, no Rio Grande do Sul.
 
       Não existe mata ciliar ou qualquer tipo de vegetação nas margens, o que o torna um rio pobre em comida, já que também não existem pâncoras na Terra do Fogo. Há raros hatches, pode-se ver alguma movimentação de caddis e encontra-se um tipo de minúsculo caracol que deve ser a base da alimentação das trutas residentes. Esta falta de comida fez com que as trutas procurassem o caminho do mar, onde encontraram o krill (um camarão que é alimento de baleias entre outros “bichos”), que proporcionou às trutas adquirir o porte que as faz tão famosas no mundo.

 

       O comportamento destas trutas é diferente de qualquer outra que já pesquei, em outras partes do mundo. Tudo o que aprendemos sobre o comportamento de trutas não se aplica a estas, porque as Sea Run Brown simplesmente não comem quando vem do mar em busca da desova no rio. Então, tudo que sabemos em relação a alimentação, feeding lines, entomologia, etc., não se aplica a estes torpedos. Estas trutas atacam as moscas por irritação, assim como os primos salmões quando sobem os rios para desovar. Por isso, é fundamental seguir as orientações do guia de pesca, acreditar nestas informações, e deixar de lado o que aprendemos em muitos anos e, no meu caso, depois de mais de vinte idas a Patagônia nos últimos 14 anos.

 

       No meio do vendaval matutino, já podendo pescar com uma vara 9, tive minha primeira ação e engatei uma Sea Run que brigava como um dourado, até que saltou e o guia exclamou: “Es chica!”
 
       Depois de boa luta, fotografei uma truta de 5 libras, com o guia perguntando porque a foto, já que era um “cachorro” (filhote), segundo ele. Se uma truta de 2,5 kg exigiu de minha vara 9, imagine as de 15 Kg, pensei na mesma hora.
 
       Pegamos mais algumas residentes (moram no rio até que aprendem a ir ao mar), na faixa de 1 Kg e voltamos para o almoço.

 
 
 

       Lá se pesca das 8 até as 13 e depois das 6 até as 11 da noite/dia, já que a luz solar vai quase até a meia noite.
 
       A diferença entre as residentes e as Sea Run é a coloração, enquanto as residentes são iguais a uma truta marrom, as Sea Run são prateadas e perdem a coloração prateada a medida que ficam os três meses no rio, antes de voltar ao mar.

 

       À tarde, as previsões do guia Diego se cumpriram e a ventania cessou, ficando extrememente agradável para pescar, enquanto se observa as inúmeras manadas de Guanacos e os Condores, abundantes na região.

 
 
 

       Mais 3 Sea Run de porte pequeno (2 a 3 kg), até que o amigo Alejandro engatou algo grande, via-se pela música do “reel” cantando e a linha indo embora, testando a potência do freio e a resistência do backing.
 
       Após 20 minutos de luta e muitas corridas , deslumbramos nossa primeira “buena trucha plateada”. Pesou 15 libras, 7 kg de torpedo!
 
       Fotos e a promessa de abrir um Angélica Zapata Malbec 2002, na volta ao Lodge.
 
       Dormi pensando “ falta a minha trutona...”.

 

       No dia seguinte o tempo estava excelente, pesquei mais algumas trutas boas entre Sea Run e residentes e resolvi tentar iniciar a arte de pescar com varas de 2 mãos, as Spey Rods. É interessante, as distâncias de arremesso são enormes e é muito fácil de pescar. Com esta técnica, fizemos nosso primeiro dublê de “plateadas”, coisa pouco comum segundo os guias.

 
 

       No meio da manhã derivava uma ninfa pesada e senti um calafrio, com uma batida de um bicho grande. A truta correu rio abaixo, dando uma surra na minha vara 9 e arrancando linha tão depressa que resolvi correr pela margem do rio. Num dado momento a corrida parou e o guia dizia que a linha estava trancada em alguma pedra. Eu dizia que não, que sentia as cabeçadas do bicho, a vara parecia rebentar até que a truta soltou-se. Momentos de desespero, de sensação de falha, aquele silêncio sepulcral, meu e do guia, enquanto o Alejandro respeitava o silêncio, até que me dei conta de onde eu estava, num paraíso, cercado de pessoas de bem e fazendo o que mais gosto na vida!!! Que bobagem, perder o humor por causa de ter levado uma surra !!! Logo estávamos rindo da maneira como joguei a vara no chão de raiva na hora da fuga do monstro. Quase quebro a velha e boa GLX, que nada tinha de culpa na minha incompetência.
 
       Perdi o monstro, ”fácil arriba de 20 libras”, dizia o Diego.
 
       Mas aprendi que pescar Sea Run grandes necessita concentração, e jurei que haveria “Vendetta”.
 
       No terceiro dia decidimos pescar o Menendez, rio menor, embora também exista corrida de trutas do mar.
 
       Decidi pescar com uma vara 6, a velha Sage RPLX.
 
       O Menendez é um rio diferente do Rio Grande, drena uma cadeia de montanhas e possui águas mais claras. Avistamos 2 Sea Run num poço e decidimos que poderíamos manter a vara 6, porém com um tippet 0x.

 
 

       Iniciei a pesca num “run” e senti um violento golpe, seguido de 3 saltos espetaculares de uma truta grande. O guia correu em direção à Toyota e buscou o puçá de trutas grandes, bom sinal, pensei. A vara 6 dava tudo que tinha, o backing já estava fora há tempos e a trutona lutava sem parar. Que força, que bicho espetacular!
 
       Depois de 18 minutos de luta (os guias sempre marcam a hora do início da “peleia”) ela se entregou. A adrenalina estava a mil! A suprarenal tinha virado uma passa! Treze libras,exclamou o guia, 13 libras em el Menendez! Este run se vá a chamar “el pedrero del Brazuca”!!! Fiquei orgulhoso, seria a prova final de que Pelé foi, é, e sempre será, melhor que o Maradona!!!!
 
       Festa no Lodge, o “guanaco brasilero” foi batizado com a sua primeira “plateada”...

 

       Mais 2 dias de pesca e alegrias, uma outra Sea Run de 9 libras e muitas menores.
 
       Um rapaz chileno do grupo (Javier) pegou uma de 20 libras que foi o recorde do nosso grupo. Fotografei as fotos dos recordes da temporada, sendo que a maior, até fevereiro, foi um macho de 26 libras!

 
 
 
 
 

       Em resumo, a viagem foi excelente. O grupo não poderia ter sido melhor; a camaradagem, as risadas, a troca de experiências, a filmagem. Dentre os companheiros, destaque à pescadora chilena Helga, mãe do Javier, uma mulher educada e gentil que encantou a todos.
 
       O Lodge, fantástico. E o melhor é que o Peter ofereceu a possibilidade de exercer preços diferenciados à brasileiros, por ser país limítrofe.
 
       Recomendo altamente o programa. Pode não ter os encantos da Patagônia norte e seus rios cor de esmeralda, mas ninguém pode se dizer um pescador completo de trutas sem ter lutado contra uma verdadeira Sea Run Brown, a mundialmente famosa “Plateada”.